terça-feira, 8 de julho de 2008

Boris Fausto abre o jogo e conta detalhes de 68


Again 6th8 - O que significou o ano de 1968?

Bóris Fausto - Este foi um ano muito especial no mundo inteiro. Houve um grande movimento popular na França, pela mudança não só das instituições, como também dos costumes políticos. Um dos lemas falava da imaginação no poder. No mesmo ano, e em outro contexto, aconteceram nos Estados Unidos os grandes festivais hippies de música, como Woodstock. Se não mudou o mundo, 1968 pelo menos o sacudiu, em todos os planos, da política e também da cultura, vista como uma expressão mais ampla. Isso se refletiu no Brasil, em vários níveis, em uma explosão na cultura que pode ser resumida na frase de uma música de Caetano Veloso: “É proibido proibir”.


Again 6th8 - E no plano político?

Bóris Fausto - Do ponto de vista político, o ano de 68 foi caracterizado por uma mobilização que se explica em grande medida por aquilo que já vinha ocorrendo: passado o primeiro momento do movimento militar de 64, as oposições foram se reerguendo. Isso redundou numa série de movimentos de classe média, como a famosa passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, em defesa da democratização, após a morte do estudante Edson Luiz. Houve também a retomada do movimento operário, com diferentes direções, em geral exemplificada em dois movimentos: um em Contagem, Minas Gerais, era reivindicatório e não propriamente agressivo; outro em Osasco, São Paulo, influenciado por formas de luta que lembravam a luta armada.


Again 6th8 - O que representou o Ato Institucional número 5?

Bóris Fausto - Uma verdadeira revolução dentro da revolução, ou, se quiserem, uma contra-revolução dentro da contra-revolução. Em dezembro de 1968, a edição do AI-5 restabeleceu uma série de medidas excepcionais suspensas pela Constituição de 67. Voltaram as cassações e o fechamento político e todo esse fechamento não tinha prazo, quer dizer, o AI-5 veio para ficar. Há quem diga que o AI-5 foi uma espécie de resposta ao início da luta armada, mas em 68 as ações armadas eram poucas. Ao que parece, o fator desencadeante pode ter sido a mobilização geral da sociedade brasileira em 1968 e a convicção ideológica de que qualquer abertura redundava em desordem. Então, era preciso endurecer, fechar, recorrer a poderes excepcionais para combater a subversão. Isso é o que explica o AI-5.


Again 6th8 - O que estava por trás da luta armada?

Bóris Fausto - A idéia de que seria impossível derrotar a ditadura por métodos pacíficos. A partir de 1968 começaram a surgir algumas ações, mas o auge foi depois do AI-5, nos anos de 69 e 70. O AI-5 fortaleceu a idéia de que os militares não se dispunham a abandonar o poder, e ficou claro que haveria cada vez menos brechas para a oposição. Essa idéia foi influenciada na época pelo êxito da Revolução Cubana, um movimento espantoso: um pequeno grupo guerrilheiro que se estabeleceu em Sierra Maestra, foi se estendendo e acabou, nas barbas dos Estados Unidos, por derrubar o regime de Batista.


Again 6th8 - Quais foram as principais organizações de luta armada?

Bóris Fausto - Uma delas era a Aliança de Libertação Nacional (ALN), cuja figura principal foi Carlos Marighella, morto pela repressão. A ALN resultou de uma cisão do Partido Comunista; foi formada em fins da década de 60, por grupos do PC, pois este rejeitava a luta armada. Houve também o MR-8, a Vanguarda Popular Revolucionária (a VPR do capitão Lamarca, que rompeu com o Exército) - essas foram as principais organizações da luta armada.


Again 6th8 - De que modo o governo militar reagiu?

Bóris Fausto - A luta armada fez sua aparição realmente espetacular a partir do seqüestro do embaixador americano Elbrick, no Rio de Janeiro (narrado no livro de Fernando Gabeira, O que é isso, companheiro?). Setores oposicionistas tiveram a impressão de que os grupos de luta armada iriam desestabilizar a ditadura, mas na verdade o regime militar desencadeou uma repressão violenta, feroz, atingindo até setores da sociedade que não integravam esses grupos.

Again 6th8 - A tortura foi um instrumento político da ditadura?

Bóris Fausto - Somente em 1968 a tortura se tornou sistemática em todo o país, como instrumento político. Antes disso, ela era utilizada em algumas situações, com diferenças geográficas. Em São Paulo, por exemplo, não havia tortura em 1964, mas no Nordeste, sim. Gregório Bezerra, líder comunista conhecido em Pernambuco, foi amarrado e arrastado por cavalos pelas ruas do Recife; coisas horríveis desse tipo!Em 68 se instalou a repressão sistemática. Foram criadas organizações – como a Operação Bandeirantes, em São Paulo – que usavam todo tipo de violência para quebrar a oposição, principalmente a ligada à luta armada. Começaram a surgir em maior número pessoas violentadas, sacrificadas, mortas. O regime militar apresentou sua face mais obscura.


Again 6th8 - O que o regime ganhou, torturando pessoas?

Bóris Fausto - Do ponto de vista dos militares, a tortura representou um instrumento poderoso para desbaratar os grupos de luta armada, que até nem teriam muita possibilidade de avançar depois de um primeiro grande impacto, mas foram mais rapidamente quebrados com a tortura, com as pessoas sendo forçadas a se delatar umas às outras. Isso acabou tornando a luta armada um rápido e trágico episódio histórico, um equívoco de enormes proporções, por mais que a gente respeite as pessoas que se sacrificaram nessa luta.


Again 6th8 - Em qual governo militar a repressão foi mais violenta?

Bóris Fausto - Quando Costa e Silva ficou doente, foi afastado do poder. Marinha, Aeronáutica e Exército elegeram, a portas fechadas, um típico representante da linha dura, o general Emílio Garrastazu Médici, do Rio Grande do Sul. O nome de Médici está associado à face mais negra da repressão, nada na história brasileira se compara a esse período, nesse sentido. Ele se beneficiou de um momento econômico extremamente favorável, quando o país cresceu a taxas extraordinárias e houve uma espécie de melhoria nas condições de vida da população. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que estabelecia uma repressão muito violenta, atacando os setores politizados e articulados da sociedade, para o resto da população o regime de Médici era associado à prosperidade, aos tempos do “milagre econômico”.


Patrícia Torricilia

Um comentário:

Fabiano - Barricada Vermelha disse...

Parabenizo este blog por seu conjunto de material historico, mas devo acima de tudo, frisar a entrevista com o historiador Boris Fausto, no qual, sem meias pelavras, da uma perspectiva do que foram os "anos de chumbo". A eliminacao plena dos expoentes da oposicao, a erradicacao dos diferentes, a supressao de quaisquer posicoes em contrario denotam um quadro assustador, levando um estado autoriatario ao limite do totalitarismo. Aproveito para dizer que indiquei voces em meu blog como boa leitura. Abraco.