terça-feira, 8 de julho de 2008

Gente da antiga: Pixinguinha, Clementina de Jesus e João da Baiana

No inicio era um batuque de negros entoado pelos nossos ancestrais africanos executado e dançado em varias partes do Brasil notadamente na Bahia que concentrava uma das maiores populações escravas, depois fixou-se no Rio de Janeiro e se consolidou, era o samba que vinha chegando para se firmar como uma de nossas mais características representações culturais. Em outro sentido, mas mantendo as nossas raízes mestiças estavam os artistas populares, instrumentistas e compositores da melhor qualidade que ficavam atentos a toda música estrangeira executada na capital do império brasileiro a partir da segunda metade do século XIX e que perceberam a necessidade de adaptá-las a um ritmo genuinamente nacional, dessa percepção surgiu nosso mais puro gênero musical o Choro que se disseminou e tornou-se também em uma representação cultural identificatoria de nosso povo.
A primeira, o samba manteve-se e ainda se mantem, apesar de alguns quererem ridicularizá-lo em plena evidencia, seus representes criaram escola e se imortalizaram, já o choro teve seus momentos de glória, depois passou por um longo período de estagnação, o que não significa que não houve produção, apenas divulgação, ressurgiu nos anos setenta com vigor e hoje tenta se manter sob a liderança de bravos heróis da cultura nacional que teimam, bendita teimosia, em não deixar que esmoreça nunca, em preservá-lo e divulgá-lo,
seja em gravações de discos ou shows pelo Brasil afora. Desde que se descobriu que um dos maiores patrimônios nacionais é a música popular, ela passou a receber um tratamento especial e carinhoso por parte daqueles que perceberam sua beleza e importância, desse modo surgiram inúmeros projetos que ajudaram no seu amadurecimento e outros tantos que cuidavam de sua divulgação e perpetuação. Evidente que ao longo de pouco mais de uma centena e meia de anos quando a canção brasileira passou a exercer sua permanência e influencia nos grandes
centros urbanos, vários foram os produtores que se encarregaram da tarefa de criar condições necessárias para a manutenção de sua sobrevivência, e isso foi muito importante para a formação sólida de um patrimônio gigantesco e referencial, pois que sem ele estaríamos perdidos.
O ano era 1968 e sua trajetória linda e conturbada estava apenas começando e nos dias 10, 11 e 17 de janeiro, um grupo de artistas veteranos encontraram-se nos estúdios da Odeon no Rio de Janeiro para gravarem um disco histórico em que relembrariam as raízes da música popular brasileira de maneira livre e descontraída, liderando esse time estavam tres dos nossos mais importantes artistas responsáveis pela consolidação do samba e do choro, João da Baiana, Pixinguinha e Clementina de Jesus. Reuni-los numa gravação foi uma idéia notável e premonitória de Hermínio Bello de Carvalho, pois ali estava presente a própria história de nossa música popular.
O ambiente da gravação era de muita descontração, em principio ficou estabelecido que não haveria ensaio e os artistas cantariam e tocariam o que quisessem, como se tratava de uma seleção de craques, isso não foi problema. Acompanhando na retaguarda nossos personagens principais, destacavam-se, Dino 7 Cordas, Canhoto e Meira nos violões, Manuelzinho na Flauta, Marçal na percussão e no coro Nelson Sargento, Anescar do Salgueiro e Jairzinho da Portela.
No repertório predominam choros, sambas e batucadas como o clássico choro Oito Batutas, composto por Pixinguinha para seu grupo musical homônimo onde podemos ouvir seu virtuosismo no saxofone conversando com a flauta de Manuelzinho e o trombone de Nelsinho, Roxá, batucada que remonta as origens do partido alto com Clementina de Jesus fazendo inúmeros improvisos, Cabide de molambo, samba de João da Baiana composto em 1917 e por ele interpretado e que retrata um malandro cujo apelido da nome ao samba, misto de poeta e mendigo que o autor conheceu em suas andanças no bairro da Gamboa, Quê quê rê quê quê e Mironga moça branca, duas corimas, variedade de samba dançado ao som de tambores de origem africana interpretados por Clementina e João da Baiana demonstrando em sua saudação inicial a forte presença nesses cantos do sincretismo religioso afro-católico: “Louvado seja meu Senhor Jesus Cristo, viva gente de linha de Angola, viva gente de linha de Nagô e viva gente de linha de Gexá”.
Em Yaô um lundu africano de Pixinguinha e Gastão Viana cujo título significa filha de santo, possui em sua letra diversas expressões de origem africana como akicó (galo) pelu adiê (o peru rodopia entre as galinhas) e jacutá (casa) remontando nossas mais antigas tradições musicais que deram origem ao samba, Batuque na cozinha, é outro belo samba de João da Baiana e um de seus maiores sucessos. O LP ainda possui outros números musicais que buscam preservar nossas mais legitimas tradições e ancestralidades.
Trata-se, portanto de um disco único, fundamental e atemporal reunindo três dos mais expressivos artistas que ajudaram na consolidação e na formação da história da música popular brasileira.


Patricia Torricilia

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