terça-feira, 8 de julho de 2008

O ano que não acabou

“Havia um ar estranho: a revolução inesperada arrastara o adversário, tudo era permitido, a felicidade coletiva era desenfreada.”Antonio Negri

1968 foi o ano mais enigmático e louco no século XX. Ninguém o pôde prevenir e foram pouquíssimos os quais participaram dele que entenderam o seu desfecho. Deu-se uma espécie de furacão humano, generalizando todas as insatisfações juvenis, que arrasou o mundo em todas as possíveis direções. Seu único antepassado foi o ano de 1848 quando uma maré revolucionária – “A Primavera dos Povos” -, iniciada em Paris, espalhou-se por praticamente todas as capitais e grandes cidades da Europa, chegando até Recife no Brasil.
Tamanha foi à complexidade dos acontecimentos de tal ano, que até mesmo o filósofo Jean-Paul Sartre, o qual vivenciou 1968, confessou que mesmo pensando constantemente no assunto, não conseguira entender o propósito de tal revolução.
Essa extrema dificuldade de interpretar os acontecimentos daquele ano não se deve apenas à multiplicidade do movimento, mas sim da ambigüidade do seu resultado final. O mix de festa e revolta juntamente com os combates de rua entre estudantes, operários e militares, fez com que alguns como C. Castoriaditis, o visse como “uma revolta comunitária” enquanto que para Gilles Lipoyetsky e outros era “a reivindicação de um novo individualismo”.
Acabou tornando-se um ano mítico, pois foi o ponto de partida para uma série de transformações políticas, éticas, sexuais e comportamentais, as quais afetaram as sociedades da época de maneira irreversível. Foi também o marco para a iniciação dos movimentos ecologistas, feministas, das organizações não governamentais (ONGS) e dos defensores das minorias e dos direitos humanos. Porém, apesar disso, também teve efeitos contrários, como por exemplo, levar várias pessoas à frustração total com a humanidade, uma vez que a não realização dos sonhos fez com que parte da juventude militante, ao não alcançar seus objetivos, fossem se refugiar no consumo de drogas ou na violência da guerrilha ou do terrorismo urbano.
Podemos dizer também que foi uma reação extremada da juventude, às repressões de mais de vinte anos de Guerra Fria, uma rejeição aos processos de manipulação da opinião pública por meio das mídias que atuavam como “aparelhos ideológicos” incutindo os valores do capitalismo e, simultaneamente, um repúdio “ao socialismo real”, ao marxismo oficial e ortodoxo, imposto no leste Europeu, e entre os PCs europeus ocidentais, vistos como ultrapassados.
É possível até assemelhar-se esse ano a um caleidoscópio, no qual para qualquer lado em que se girasse, novas formas e novas expressões surgiriam. Foi uma espécie de fissão nuclear espontânea que abalou as instituições e regimes. Uma revolução que não se socorreu de tiros e nem bombas, mas de pichação, das pedradas, das reuniões em massa, do auto-falante e de muita irreverência. Tudo o que parecia sólido desmanchou-se no ar.


Patrícia Torricilia

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